Ensaio

Descobri o Ruído Sem Tocar o Chão

Se graves as horas, contá-las serve para quê? Nenhuma manhã havia, jamais, translucidado sua presença. Eu ali vazia porque virgem de ontens. Toda aurora se aproxima oca. Era-me difícil não perceber o brilho incomodo do silêncio. Estávamos eu e você a imaginarmos qual a roupa do céu. Você dançava. Corria presa em sua origem. Tentava me fazer enxergar o visível imediato, sua obrigação. Você lambia todas as coisas, todos os dias, ao ponto de deixar-me cega. Levantei contra ti um muro. Dispensei sua nitidez. Cansei-me dos seus beijos luminosos demais, visíveis demais, representantes demais. Quando a vida brilha em excesso só vejo incerteza. Queria brincar contigo, minha amiga. Tentei, contra ti, construir um modo diverso para não viver a tristeza da repetição de todas as formas já existentes. Usei um escudo. Com ele aparei seus raios e filtrei sua insolência. Descobri outro modo de visão. Nele, o tempo não podia ser cronometrado – eu mesma enterrei o relógio. Ali, sob a terra. Naquele ponto pelo qual sua existência se faz ininterrupta, faça sol ou faça lua. Minha ideia não era derrota-la. Você é maior do que eu, sempre será. Pretendia apenas me esquivar de sua determinação. Embaralhei-me a quantas camadas pude. Adentrei em um estado de encantamento indizível. Queria-me catarata. Névoa reveladora de mim porque você só me dava o mundo e não a vida. O outono desabrochou dentro de meu olho. A vida floresceu fora da tristeza, não sem dor, dentro da morte. Nesse dia, descobri o ruído sem tocar o chão.

Tags

FineArt Fotografia autoral Fotografia expandida Fotografia Contemporânea Fotografia conceito